“MUDEI” ARRASA FILIAIS DO MPLA

Um relatório trimestral de monitorização da imprensa angolana revela que a agenda governativa ocupou 48,7% dos espaços noticiosos dos órgãos de comunicação tutelados pelo Estado e o MPLA (partido no poder) quase 80%. Sendo que Governo e MPLA são – há 49 anos – uma e a mesma coisa.

O relatório elaborado pelo Movimento Cívico Mudei, organização não-governamental angolana, compreende o período entre Novembro de 2023 e Janeiro de 2024 e incide sobre matérias publicadas pelo Jornal de Angola (JA), Televisão Pública de Angola (TPA), Rádio Nacional de Angola (RNA), órgãos estatais, e a TV Zimbo, canal privado que passou para a esfera do Estado angolano.

Segundo o relatório, a agenda do Governo ocupou 48,6% do espaço noticioso destes órgãos partidários, embora rotulados de nacionais, nomeadamente 63,8% das capas do JA, 48,6% no telejornal da TPA, 35,5% no telejornal da TV Zimbo e 46,8% nos noticiários das 13 horas da RNA. Notícias sobre sociedade, desporto e de âmbito internacional ocupam as posições seguintes.

Para além do espaço central dado ao executivo do MPLA, “constata-se uma ausência de sentido crítico ou de contraditório”, refere o Mudei, salientando que “não são noticiadas quaisquer discordâncias ou erros da acção governativa”. Era assim no tempo do partido único (MPLA) e passou a ser assim no tempo de um único partido em que, para inglês ver, outros partidos têm o papal importante de… figurantes.

Em relação aos partidos políticos, o MPLA (no poder há 49 anos) ocupou, no cômputo geral, 79,5% do espaço de antena monitorado nos referidos órgãos – TPA (88%), TV Zimbo (70%), JA (93%) e RNA (67%).

A UNITA, maior partido da oposição que o MPLA ainda permite, no geral, absorveu apenas 13% do espaço noticioso, nomeadamente, 7% na TPA, 24% na TV Zimbo, 7% no Jornal de Angola e 14% na RNA.

Em várias categorias (cultura, empresariado, sociedade civil e outras) “nota-se uma tendência para se adoptar uma perspectiva de realce da presença e papel do executivo ou de organizações e indivíduos que lhe sejam próximos”, observa o Mudei.

A ONG considera também ser “notável”, nesses órgãos, o limitado espaço e/ou omissão dada às organizações sindicais, movimentos reivindicativos ou a organizações da sociedade civil no decurso dos meses de Novembro e Dezembro de 2023 e Janeiro de 2024.

Este trabalho de monitorização, que consistiu em observar (visualizar, escutar e medir) e classificar os principais noticiários da TPA, TV Zimbo e da RNA e as capas do JA, constatou que o Jornal de Angola e a TPA “destacaram-se no desequilíbrio de tratamento aos diferentes actores políticos”.

A análise conclui que as redacções dos referidos órgãos e a respectiva tutela revelam uma visão hegemónica no exercício do poder e do direito ao discurso público e salienta que os princípios básicos de jornalismo, como o direito ao contraditório, são “sistematicamente ignorados”. O Mudei, compreensivelmente, confunde jornalismo com propaganda, sendo que esta não se rege pelas regras do jornalismo mas, apenas e só, pelas do patrão (o MPLA).

A linha editorial dos órgãos monitorizados – “em especial do Jornal de Angola e da TPA – parecem mais a de um órgão de relações públicas do Governo do que de um órgão de imprensa ao serviço do público, com o objectivo de o informar”, conclui o Mudei.

O relatório inscreveu a análise de um total de 4.807 notícias, nomeadamente 590 do Jornal de Angola, 1.011 da RNA, 1.689 da TPA e 1.517 da TV Zimbo.

O Mudei, que promete publicar regularmente relatórios trimestrais de monitorização, considerou ainda neste documento, datado de 30 de Maio, que a comunicação social é um dos pilares incontornáveis de um processo político aberto e plural.

OBRIGADO POR NÃO NOS CONFUNDIREM

Paulo de Morais (ex-candidato à Presidência da República de Portugal, acérrimo lutador contra a corrupção que integrou o grupo de trabalho para a revisão do Índice de Percepções da Corrupção, levada a cabo pela Transparency International, que foi perito no Comité Económico e Social Europeu e é Presidente da Frente Cívica) diz que William Tonet e Orlando Castro (ambos jornalistas do Folha 8) «são verdadeiros heróis pela corajosa e permanente denúncia que fazem à praga da corrupção na República de Angola.»

Um projecto avaliado em 25 milhões de dólares será implementado a partir de Setembro deste ano, para fortalecer as capacidades dos jornalistas no cumprimento das suas tarefas de maneira eficaz e segura. Só falta mesmo garantir que exista liberdade de imprensa, de modo a que Angola deixe estar no lote dos piores, 104.º lugar entre 180 países analisados pela Repórteres sem Fronteiras (RSF).

O anúncio foi feito, em Luanda, pelo ex-embaixador dos Estados Unidos da América (EUA) em Angola, Tulinabo Mushingi, na cerimónia de entrega do prémio “Liberdade de Imprensa”, promovido pelo Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA), em parceria com o Instituto para a Comunicação Social da África Austral (MISA) em Angola.

Sem fornecer detalhes sobre o projecto, o diplomata americano disse que EUA têm apoiado a capacitação e formação de mais de cinco centenas de jornalistas em Angola, e enviado dezenas de profissionais ao seu país.

Tulinabo Mushingi falou ainda de um projecto de promoção da liberdade de imprensa, avaliado em 250 mil dólares, que decorre no âmbito da crescente cooperação entre os EUA e Angola (leia-se MPLA), acrescentando que o mesmo tem como objectivo atender pedidos dos jornalistas, para desenvolver e implementar projectos que oferecem treinamento investigativo e especializado aos profissionais nas áreas de combate a corrupção, inclusão social e normas reconhecidas para um jornalismo que só pode existir quando em Angola houver (João Lourenço diria “haver”) liberdade de imprensa.

Tulinabo Mushingi disse, por outro lado, que uma imprensa livre constitui uma parte fundamental das sociedades abertas e democráticas no mundo inteiro. E disse bem. Só faltou reconhecer que o reino do MPLA não é uma sociedade aberta e democrática e cujos governantes (os mesmos há 49 anos) ainda exigem que se faça aquilo a que chamam “jornalismo patriótico”.

O Embaixador revelou que estava em curso um concurso público para o programa de subsídios de secção da diplomacia pública da Embaixada dos EUA em Angola, num valor de 150 mil dólares.

A primeira edição do prémio “Liberdade de Imprensa” foi vencida pelo jornalista Israel Campos, com a peça “Viúvas da seca”, tendo recebido uma estatueta e um milhão de kwanzas. O Novo Jornal recebeu uma menção honrosa pelo seu desempenho e trajectória na divulgação de matérias generalistas.

O prémio foi instituído no dia 3 de Maio de 2023, durante a realização da primeira Conferência Nacional de Jornalistas, com o objectivo de reforçar e valorizar o desempenho dos profissionais da comunicação social no país.

O prémio distingue (supostamente) os jornalistas pela qualidade, audácia, comprometimento com a verdade, e incentiva (continuamos no âmbitos da suposição) um verdadeiro jornalismo de investigação.

Foram, ao que parece, avaliados trabalhos jornalísticos divulgados de Maio de 2023 a Fevereiro de 2024, que contribuíram para fortalecer a liberdade de imprensa, não se sabendo como é que se contribui – sem cair em desgraça – para algo que não existe de facto – liberdade de imprensa.

Veja-se que o Governo (do MPLA há 49 anos, o que só por si nos dá uma ideia da liberdade, em sentido lato, que não existe) exorta os órgãos de Comunicação Social tradicionais e os do mundo digital no sentido de evitarem ser fontes de ameaças e de violência psicológica e emocional contra os cidadãos, violação de privacidade, dados pessoais, vigilância injustificada e de notícias falsas.

A exortação vem expressa numa declaração em alusão ao Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, onde o Governo (leia-se MPLA) manifesta a disposição e determinação em continuar a trabalhar com todos os parceiros e demais instituições, no sentido de assegurar o pleno e livre exercício da liberdade de imprensa, e condena quaisquer acções que coloquem em perigo o exercício da profissão, a segurança e a vida dos jornalistas.

“A celebração desta efeméride constitui uma grande oportunidade para realçar o papel que a liberdade de expressão joga no desabrochar e impactação de outros direitos”, lê-se no documento enviado pelo Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, onde se acrescenta que as plataformas digitais e redes sociais online permitem a qualquer usuário recolher e disponibilizar informação, “um ganho que, se não for bem usado, com responsabilidade, respeito pela ética e pelos outros direitos, pode transformar-se num perigo para a paz das sociedades”.

O Governo/MPLA exorta ao exercício responsável da liberdade de imprensa e de expressão e direitos conexos, a fim de que propicie a difusão de informação séria, verdadeira e factual, que tenha em conta os valores da ética profissional e o respeito pelos direitos fundamentais da pessoa humana.

Em tempos, o Conselho Directivo da Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana (ERCA), manifestou-se preocupado pela forma sistemática como alguns órgãos de comunicação social e Jornalistas (não jornaleiros) destratam os actores políticos, violando – diz a sucursal do MPLA – gravemente os seus direitos de personalidade, ou seja, violando o “jornalismo” patriótico que o MPLA exige.

Perante a incapacidade da ERCA em decapitar (cortar a cabeça) dos Jornalistas, o dono do reino deixou cair a ERCA e passou a usar os seus peões (sipaios em linguagem mais angolana) para proceder a essa decapitação de forma mais eficiente mas, ao mesmo tempo, mais… legal. Ou seja, exarar primeiro a sentença condenatória e depois fazer um julgamento que justifique a sentença previamente determinada.

Com as atenções viradas para o clima político e social actual, que se prevê venha a tornar-se cada vez mais crispado, nos limites permitidos pelo regime democrático que não existe, o MPLA recomenda que os diferentes órgãos “tenham a melhor consideração, na sua actuação diária, pelo princípio da responsabilidade editorial efectiva e as suas consequências em caso de violação das normas que estão plasmadas nos diferentes diplomas que fazem parte do pacote legislativo da comunicação social, com destaque para a Lei de Imprensa”.

Atirando a pedra assassina mas escondendo a pata, o MPLA diz que não tem competência para interferir directamente na gestão editorial de cada órgão, nem sendo sua intenção, remetendo a sua sentença condenatória para os tribunais, locais onde os seus autómatos tratarão de tudo.

Esclarecimento prévio a alguns dos membros do MPLA, desde logo ao seu próprio Presidente. Servilismo significa propensão a obedecer como escravo, falta de dignidade, baixeza, subserviência. Informar, por exemplo, significa mostrar os hotéis de luxo de Luanda. Jornalismo significa, por exemplo, mostrar os angolanos a procurar comida no lixo (que é coisa que não falta).

Não tenhamos medo das palavras e das verdades. O jornalismo que João Lourenço pretende para Angola é uma adaptação do tempo de partido único, nascida nas técnicas hitlerianas e exemplarmente praticada, por exemplo, por Agostinho Neto, o único herói nacional de João Lourenço, quando mandou assassinar milhares de angolanos nos massacres de 27 de Maio de 1977.

O Governo, ou os tribunais, quer formatar o que a comunicação social diz. Esse era e continua a ser o diapasão do MPLA. Mesmo maquilhado, o MPLA não consegue separar o Jornalismo do comércio jornalístico/propaganda.

Mas, afinal, quem é o MPLA/Governo, o MPLA/João Lourenço, para nos vir dar lições do que é um “jornalismo mais sério, baseado no patriotismo, na ética e na deontologia profissional”?

Mas afinal, para além dos leitores, ouvintes e telespectadores, bem como dos eventuais órgãos da classe, quem é que define o que é “jornalismo sério”, quem é que avalia o “patriotismo” dos jornalistas, ou a sua ética e deontologia? Com outros protagonistas e roupagens diferentes, continuamos no tempo em que patriotismo, ética e deontologia eram sinónimos exclusivos de bajulação total ao MPLA.

Por cá, pelo Folha 8, consideramos que os Jornalista que não procuram saber o que se passa são imbecis, e que os que sabem o que se passa e se calam são criminosos. E é por isso que – com a coluna vertebral e o cérebro nos locais certos – combatemos os imbecis e criminosos, sejam jornalistas, sipaios ou outros…

Folha 8 com Lusa

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